Quando estreei esta peça no Teatro La Mama em NY, em fevereiro de 2000, Louise tinha 89 anos. Hoje ela tem 93 e está felicíssima que a performance será apreciada no Brasil. Afinal, aqui está de volta, trabalhando no Rio, Paulo Herkenhoff, uma das duas colunas(o outro é Jerry Gorovoy seu assistente em NY) que sustenta, dialoga, eleva Louise e que ela ama apaixonada, poderosa e enternecidamente. Vi cenas de convivências entre eles, de raríssimo esplendor. Tal o grau de arte, engenho de relação, reconhecimento do outro e volume denso de qualidade em tudo que tocam. Saio sempre dessas reuniões extenuada no meu máximo, pela alta voltagem vivida, porém acendida de um fogo que me queima sem descanso as entranhas do pensar e ilumina dias e noites incessantes do meu agir. E eu sempre volto lá. Adicta, preciso daquela dose de vitalidade na crueza das mais cruéis e fatais. “Você gosta de mexer com dinamite”, diz minha amiga Tracey Moffat, a genial fotógrafa australiana que me apresentou os escritores de Louise que afinal me levaram a querer incorporar a artista forte, sábia e livre, no palco. Eu não poderia ter sido auxiliada por melhores demiurgos do que estes: Tracey me apresenta, por viés, o monstro sagrado e Paulo convence, por voz ativa, a amiga a conceder em participar do empreendimento: montar uma peça com textos dela, eu “sendo” ela e com cenário de sua autoria. Não é de meu feitio então não me disfarço de Louise para usar o palco. Uso textos dela que entendo que entendi e assim os apresento. Foi esse o processo de montagem. N casa dela, nos domingos, quando ela recebe quem quer encontrar-se com ela, eu lhe apresentava o que havia escolhido ensaiar. Duas câmaras ficam ligadas o tempo inteiro nas reuniões de domingo(uma delas fica móvel, na mão de Pouran, a videomaker que invade em closes muitas vezes manifestadas por intervenções fortes, talvez por confusa contaminação, naquele instalado ringue). Nesses momentos eu exigia que desligassem as câmaras (é que implico, não acredito que o vídeo possa reter a energia cênica daquele preciso momento: pior, pode compromete-lo). Mas Louise não se importa com ninharias, está engajada no seu grande embate. É nele que vem o golpe: a gente é rebaixada à gente mais gente mesmo, com o testemunho de todos os presentes e tudo re-visado por nós pela consciência comum do voyeurismo das câmaras. Sagaz, essa Louise. Só quem se levanta depois de atingir um estado basal ela reconhece para que volte no próximo domingo à tarde. Os outros, provavelmente incendiados nos egos ou perdidos pela falta de autocrítica, deixam escapar a chance e se vão humilhados, sem o melhor: o despojar-se de toda moldura, o mostrar a pincelada no ar, a martelada no vazio, o grito primal quer seja numa folha, numa tela, numa escultura, num filme, num projeto, numa peça, mostrada ali, na pequena sala cheia de livros que acolhe o caldeirão radioativo de uma Sherazade-Esfinge, enigma do belo que é o real, no aparentemente inofensivo epicentro numa rua qualquer no Chelsea.